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do lado da feiura

  • Writer: Andrea Cals
    Andrea Cals
  • Oct 4, 2020
  • 2 min read

Updated: Mar 9


Um dos bons projetos que eu fiz, foi de uma casinha de vila, num lote de 5.00X24.00m no Maracanã, Rio de Janeiro, idos de 1975.

Já fiz projetos grandes, 12 hoteis, Escola Americana do Rio de Janeiro, casas de mil metros quadrados, mas essa casinha de vila sempre foi uma das minhas favoritas.

Um verdadeiro desafio para quem, como os proprietários, desejava uma casa de sala e três quartos. E tem mais, como pediu a cliente, com entrada de serviço separada da social. E não me venham perguntar da garagem, pois o carro deles ficava parado na ruazinha particular da vila, ora pois! Como os de todos os outros moradores.


Mas, nessa belezinha de casa, um acontecimento encheu as minhas medidas.

Precisava executar uma parede que parecesse de pedra, não simplesmente revestida de pedra. Mandei vir uma partida de pedras de 50x50cm, dessas que se usam para fazer pisos externos, junto a gramados, que possuem uma face aparelhada (preparada para ficar a vista) e outra rústica e, digamos, mal acabada.

Contratei um calceiteiro (pra quem não sabe, é o cara que trabalha com pedras), já um senhor, que veio com um ajudante, um garoto. Acho que era o seu neto. Nem me lembro mais do nome do senhor.

Mostrei-lhe as pedras e disse-lhe:

“O senhor vai partir as pedras, sem nenhuma intenção de ficarem iguais, até pelo contrário, e revestir essa parede (a que já havia sido levantada pelo pedreiro) pra ela ficar com cara de parede de pedra, dessas tipo uma sobre a outra.”

“Sim senhor”, respondeu-me ele.

“Tem mais”, continuei eu, “nada de escolher. Apenas pegue as pedras, sem olhar e assente na parede”.

“Estou entendendo”, falou o velhinho, com a cara total de quem sabia daquilo muito mais do que eu poderia imaginar.

“Mas tem mais uma coisa”,arrematei eu, “o senhor vai colocar essa pedras com o lado sem acabamento para ficar a vista, bem rústica”. Será que ele teria entendido? perguntei-me internamente.

Ele olhou-me, com um meio sorriso altamente indulgente e disse-me:

“Já sei, o senhor quer que eu coloque as pedras do lado da feiura”.

Falou isso sem nenhuma intenção de menosprezo. Ou porque estivesse achando que ficaria ruim. Apenas simplificava tudo aquilo que eu tentava passar a ele.


Nunca esqueci esse velhinho, de quem nem me lembro mais o nome.

A parede, ficou notável. Parecia uma parede de pedra, dessas que a gente vê em arrimos ou bases de sustentação de edificações. Uma maravilha!

E a sua definição, “do lado da feiúra”, uma lição de que nem sempre se precisa utilizar de requintadas descrições para dizer as coisas certas.


ESTÓRIAS OBREIRAS, SIM SENHOR! Fernando Cals

 
 

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